1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 335

sargentos e marinheiros, para o desagrado total e nada inesperado da alta hierarquia militar, só fez derramar o caldo. O despotismo que se instalou por meio de atos e decretos, a partir da deflagração do golpe, protagonizado por uma elite comandatária herdeira de velhos vícios da história nacional, pareceu, a uma classe média petrificada pelo medo, oferecer uma alternativa ao tão alardeado “perigo comunista”, sovado argumento para justificar toda quebra da legalidade institucional patrocinada pela direita nos velhos tempos da Guerra Fria. Fascinada num primeiro momento pela aventura golpista, essa classe média viu, não muito tempo depois, cair a máscara de democratas autointitulados “salvadores da pátria”. Cada medida tomada pelos corifeus da nova ordem instalada desmentia os alegados princípios democráticos de que se valeram para derrubar do poder um governante legitimamente eleito, a quem acusavam de tramar contra a ordem democrática. Se isso não é cinismo, os dicionários precisam rever a definição do verbete. Uma das primeiras ações dos novos donos do poder foi enquadrar a vida cultural dentro de seus padrões, fiscalizando a criação artística e intelectual. Os rebeldes eram incriminados. A inquietude da inteligência crítica (uma expressão que deveria ser sempre redundante, mas não é) era considerada crime de lesa-pátria. Não obstante todas as ameaças, não foram poucos os intelectuais que resistiram aos desmandos da nova ordem. Uma das trincheiras mais admiráveis dessa resistência fincou suas bases na redação da Revista Civilização Brasileira (RCB). No primeiro número da RCB (mar./1965), tendo Ênio Silveira, como diretor-responsável, e Roland Corbisier, como secretário de redação, o editorial da revista expunha seus “Princípios e Propósitos”, iniciando-o com as seguintes palavras: “A História é um processo contínuo de desafio e consequente vitória ou derrota, sendo que tanto as vitórias como as derrotas colocam novos desafios à capacidade criadora do homem”. Advertia quanto ao grande e sério desafio posto, naquele momento, diante do povo brasileiro, qual fosse, o de superar as forças que se opunham ao desenvolvimento do país, ao mesmo tempo em que propunha a resistência democrática e independente Memórias de um tempo de barbárie 333