1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 318
demonstrando que foi essa resistência política, e não a resistência
isolada de pequenos grupos armados, o fator determinante para a
derrota do regime militar.
A formação de uma ampla frente política antiditatorial, com
base na reivindicação da restauração das liberdades e do regime
constitucional livre no Brasil constituiu-se no ingrediente principal
do advento do período democrático que vivenciamos até hoje. Todavia, nem todas as forças, partidos e personalidades políticos (os
hegemônicos em primeiro lugar) pareceram tirar disso as obrigatórias conclusões. A começar pelo Partido dos Trabalhadores (PT),
que hoje detém o comando do governo e do Estado brasileiros.
A relação negligente e desrespeitosa que o PT e seus principais aliados do campo governista mantêm em relação aos rituais
da democracia brasileira, cevada sobretudo quando o ex-presidente Lula alimentou uma sistemática atitude de banalização e
deboche desses rituais, demonstra claramente que as lições básicas de 1964 não foram assimiladas na proporção recomendável.
É certo que o desprezo lulopetista pelo rigor que o jogo
democrático exige está muito longe de ameaçar a continuidade do
Estado de Direito no Brasil. Afinal, os tempos são outros, a sociedade brasileira se tornou mais complexa e a extrema direita
golpista politicamente mais isolada. Porém, se por um lado não
ameaça, esse tratamento desrespeitoso em relação à prática democrática cria embaraços, instabilidade institucional e obstáculos ao
avanço da democracia brasileira, além de, marginalmente, ressuscitar o discurso dos extremos indesejáveis em qualquer democracia moderna.
O aparelhamento partidarizado da máquina pública, aliado
ao chamado “presidencialismo de coalizão”, sob cujo manto o que
se produz, de fato, é o aviltamento da representação popular, torna
cada vez mais profundo o abismo que se alarga atualmente entre o
conjunto da sociedade e a chamada “classe política,” criando uma
situação de crise sistêmica institucional que não se desdobra, como
no início dos anos 1960, para tentativas de golpes de Estado, mas,
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1964 – As armas da política e a ilusão armada