1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 210
rior da CUT. Esta, estranhamente, nada fez em defesa dessa parcela
estratégica de seus associados, pois passou a viver “um intimismo
à sombra do poder”.
O que se passou com o sindicalismo combativo adepto da
greve geral como panaceia para resolver todos os problemas? Não
é difícil entender a acomodação quando se constata que, além das
mudanças no mundo do trabalho e na constelação política (com a
desagregação da União Soviética), a burocratização sindical atingiu um ponto nunca antes visto em nossa história. Nunca tanto
dinheiro circulou na máquina sindical: além do imposto sindical,
novas fontes surgiram: a “contribuição confederativa”, a “taxa
assistencial”, a “contribuição associativa”, as milionárias verbas do
Fundo de Amparo ao Trabalhador e todos os tipos de “convênios”
(por exemplo: com os bancos para intermediar empréstimos aos
sindicalizados etc.). O crescimento da máquina sindical e a
presença do PT nas prefeituras, estados e, finalmente, na União,
geraram uma massa de funcionários profissionais oriundos dos
movimentos populares e sindicais. No topo, encontram-se os altos
funcionários das estatais e os gestores dos fundos públicos de
previdência complementar, muitos deles antigos combatentes do
movimento sindical.10 Esse processo de burocratização, aburguesamento e corrupção deixou a militância perplexa e acéfala, ao ver
suas lideranças mudarem de padrão de vida e de comportamento
político. As comemorações do Primeiro de Maio, progressivamente, perderam o seu caráter reivindicatório e de luta. Em 2004,
a CUT, sediada na Casa Fasano, um dos restaurantes mais chiques
e caros de São Paulo, recepcionou a nova oligarquia sindical e os
convidados vips com um breakfast. Depois dessa elegante confraternização, todos se deslocaram para a Avenida Paulista, centro do
capital financeiro, para assistir a um show patrocinado por quinze
empresas, estatais e privadas – o capital e o trabalho, enfim reunidos alegremente, renderam homenagem aos mártires de Chicago...
10 Sobre esse novo personagem que emergiu da burocracia sindical e partidária ver o
ensaio de Chico de Oliveira, O ornitorrinco, Crítica à razão dualista. São Paulo: Boitempo, 2003.
208
1964 – As armas da política e a ilusão armada