1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 156
anos. Os golpistas justificaram-se por meio do argumento de que
João Goulart favorecia a esquerda e abria passagem para os comunistas “tomarem o poder no Brasil”. Era notório, contudo, que Jango
não comandava um governo que estava realizando transformações
de caráter socialista, embora levasse de maneira muito incisiva a
estratégia das “reformas de base”, dentre elas a reforma agrária,
ponto de discórdia integral no seio das elites políticas.
Na conjuntura que vai do restabelecimento do presidencialismo, em 1962, até o golpe de Estado, o que se viu foi a grande
dificuldade de compatibilizar reformas econômico-sociais com a
democracia política. As medidas econômicas adotadas com o
intuito de retomar o crescimento e combater a inflação malograram com o fracasso do Plano Trienal elaborado por Celso Furtado,
tornando impossível conciliar a contenção do gasto público e o
apelo ao “aperto dos cintos”. Gradativamente, agravaram-se as
tensões sociais, o radicalismo e a polarização entre o governo e
seus críticos. Tanto a esquerda quanto a direita passaram a defender uma solução de exceção para a situação: a saída pelas armas
colocava-se como o horizonte político para ambos os lados. Para a
direita, a democracia interessava se fosse útil na defesa de seus
privilégios e absolutamente inútil se esses estivessem ameaçados;
para a esquerda, os qualificativos substantivos que se encontravam
presentes na proposta das reformas sociais eram imensamente
mais importantes do que as formalidades democráticas. Como
observou Argelina C. Figueiredo, no Brasil daqueles anos,
(...) tornou-se impossível a construção de um compromisso que
combinasse reformas e democracia em um projeto político consistente, porque democracia e reformas eram percebidas como objetivos políticos conflitantes. (...) [No período Goulart] diferentes coalizões se formaram em torno de cada um desses objetivos, estruturadas,
na maioria das vezes, em função de um e em detrimento de outro.
Em cada uma dessas conjunturas, diferentes fatores contribuíram
para o fracasso em se alcançar um equilíbrio aceitável entre regras
democráticas de competição política e mudanças socioeconômicas
(FIGUEIREDO, 1997, p. 48; FIGUEIREDO, 1993).
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