1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 112
sistema internacional. Demos importantes passos à frente no front
social, mas continuamos a exibir níveis vergonhosos de pobreza e
desempenho abaixo do esperado nas estratégicas áreas da saúde,
da educação e da infraestrutura.
Ao mesmo tempo, o país que se globalizou adquiriu doses
adicionais de diferenciação e fragmentação. Passou a conviver com
uma complexa trama de problemas e pressões difícil de ser decodificada e assimilada. Tornou-se “hipermoderno” sem ter conseguido ser plenamente moderno. Ganhou uma agenda imensa,
desafiadora, enigmática. Urbanizou-se e ao fazê-lo nos moldes
dados converteu as metrópoles em caos intensificado, locus de
vida difícil, corrosão associativa e convivência prejudicada.
A sociedade não permaneceu passiva. Ainda que esteja hoje
cortada por vetores de desinteresse político e individualização,
muito fragmentada e dinamizada por um capitalismo extremamente desregulado e competitivo, não se trata de uma sociedade
parada no tempo ou desinteressada do futuro. Os protestos que,
em junho de 2013, ganharam as ruas das principais cidades do país
provam isso (Ver, a respeito, Marco A. Nogueira, As ruas e a democracia. Ensaios sobre o Brasil contemporâneo. FAP/Contraponto,
2013). A seu modo, a sociedade tem continuado a lutar: questionando escolhas eleitorais, interpondo uma pauta “social” à agenda
política e econômica, agitando-se e protestando nas zonas rurais e
nas periferias urbanas, onde exibe seu descontentamento e sua
disposição de mudar. Não se mostra facilmente governável e vem
cobrando alto preço dos que se dispõem a tentar algum movimento
virtuoso de integração e recomposição social. Mas está aí, às portas
do poder, nas ruas e nos campos do país. Diversificada, colorida,
fragmentada, tensa e contraditória. De certo modo, mexe-se para
ser mais avançada do que o Estado. Para estabelecer outra relação
com ele, com a política e com o mundo político.
Como em outras passagens e transições, o processo que se
abrirá a partir das eleições de 2014 terá de assimilar o legado positivo e a herança negativa do ciclo anterior. Poderá sem dúvida
fazê-lo, mas não sem dificuldades. A sociedade brasileira, por mais
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1964 – As armas da política e a ilusão armada