1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 107

buscam se apresentar segundo esta expectativa, rebaixando o nível de suas performances e a cultura política dos cidadãos. Há quem pense que o Estado deva ser o único ator, um demiurgo a quem se transfira o poder de tudo fazer. Outros valorizam unilateralmente o mercado ou fazem o elogio fácil da sociedade civil. A maioria, por esse ou aquele motivo, não acredita nos serviços públicos (na qualidade e na oferta deles), não aceita os ritmos da democracia política e não compreende bem o significado de uma comunidade política. Todos se consideram democratas, mas a intolerância, a mentira, a veemência verbal e a estigmatização prevalecem na maioria dos ambientes. Voltou assim à cena a velha disjunção entre o político e o social, que havia sido impulsionada pela ditadura de 64. Ecos e transfigurações Os políticos atuais, com seus partidos e sua mentalidade, seu modo de ser e agir, não parecem ter extraído muitos ensinamentos das duas longas décadas autoritárias inauguradas em 1964. Ouvem seus ecos, mas não os levam na devida conta nem os traduzem de modo adequado. Tornaram-se egoístas, autocentrados, aprisionados a disputas perfunctórias e calendários eleitorais, cegos à sociedade real que está se configurando e aos problemas que estão a emergir ou a se consolidar. Governo e oposição hoje, no Brasil, significam pouca coisa em termos substantivos: são sobretudo posições dedicadas a acessar ou a manter o poder. Não trazem consigo visões particulares do país que se quer ou que se poderia ter. São forças submissas ao sistema em que se vive, não o questionam. Caminham entrelaçadas com os principais setores do capital – grandes empresas, bancos, mercados –, aos quais se integram pacificamente de múltiplas maneiras. Tal fato tem um quê de paradoxal. Por um lado, transfere sustentabilidade aos governos, que podem funcionar mal sem correrem maiores riscos de vida. Por outro, condiciona a ação governamental e dificulta a formação de consensos entre as forças A pedagogia do passado como construção do futuro 105