1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 105

O golpe não foi inevitável. Foi um desdobramento do processo político e social em curso. Teve autoria, determinações objetivas e subjetivas. Quando, nos dias que se seguiram ao 1º de abril, o silêncio se impôs e não houve reação, um castelo de cartas se desfez. Evidenciou-se o quanto faltava de bases organizadas e de cultura democrática para que se sustentassem as reformas pretendidas. Não se trata de encontrar responsáveis. Mas de compreender por que as reformas projetadas no pré-64 não ganharam condições de possibilidade e não foram empreendidas. E compreender, sobretudo, que o golpe interrompeu, de forma drástica, um processo político e social que podia ter seus pontos fracos mas que representava um importante momento de democratização, de participação política, de abertura do Estado para os setores populares e para o conjunto da sociedade. Seu legado, deste ponto de vista, foi trágico. Hoje, plenamente exposto aos efeitos da retomada da vida democrática e da modernização capitalista das últimas décadas, o Brasil é completamente diferente do Brasil que experimentou e enfrentou a ditadura. A sociedade que protagonizou a volta da democracia era mais simples e a política que nela se fazia seguia um padrão “antigo”, com partidos dotados de algum poder de agenda, governos de coalizão que se dispunham a seguir programas claros, cidadãos que buscavam canalizar suas demandas pelas instituições políticas, comícios de massa. Aos poucos, tudo isso foi evaporando, impulsionado pelo capitalismo global turbinado, pelas ondas hipermodernas da sociedade em rede, pela corrosão do poder do Estado, pela força do mercado, pela fragmentação que complicou os movimentos da sociedade civil. Estamos em plena democracia, o país se modernizou muito, ganhou musculatura, alargou sua vida cívica e sua cidadania, se projetou no mundo. Tudo parece mais consolidado, mas tudo está também mais “desencaixado”. A sociedade é mais dinâmica e mais conectada, mas nunca foi L:6