1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 104

O golpe, suas determinações e seus desdobramentos O golpe de 64 não foi uma fatalidade, um raio maléfico caído do céu. Teve determinações, protagonistas. Não foi ação isolada e sórdida de militares, latifundiários e banqueiros. Contou com apoios importantes, internos e externos, envolveu muita gente, militares e civis pertencentes a diversos setores sociais. Em seu primeiro momento, dispôs até mesmo de alguma base de massa. As “classes dominantes” não impuseram unilateralmente sua força, nem estavam suficientemente unidas e organizadas para isso. O golpe indicou com clareza a dificuldade que têm as elites brasileiras (todas elas, as econômicas, as políticas, as intelectuais, as sindicais) de conviver com os fluxos democráticos e a representação política, mostrando ao mesmo a força com que os setores mais conservadores resistem às mudanças, recusam as reformas sociais, a rotina institucional e a competição política democrática. Indicou também o custo que pode ter o despreparo político das forças progressistas e reformadoras para construir a necessária sustentação para as reformas pretendidas. Houve erros de encaminhamento, falhas de análise daquilo que se costuma chamar de correlação de forças, ausência de uma boa teoria de base, escassa preocupação com a necessidade de uma estratégia política clara e flexível, disposição para negociar, modular os passos, dosar o reformismo, retroceder e acumular forças. Houve, também, um excesso de disputas e polarizações artificiais no interior do sistema político e entre as correntes reformistas. Isto se somou à imagem de que haveria um “dispositivo militar” pronto para defender a Presidência, imagem que foi ingenuamente aceita por alguns setores reformistas mas que também foi usada pelos golpistas como “indício” de que se preparava uma “revolução comunista” no país. A elite política (reformista ou não, de esquerda ou liberal) não tinha como estar à altura dos acontecimentos nem como gerenciar a expressiva elevação da temperatura política do país. Entregou-se de algum modo às Forças Armadas, que desde pelo menos os anos 1930 cresciam como ator político. 102 1964 – As armas da política e a ilusão armada