1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 197
trada, como apresentava, naquele momento, outro ciclo de transformações estruturais e culturais profundas, visível, por exemplo,
na emergência de novos atores organizados, notadamente o novo
sindicalismo do ABC, que nascia em descontinuidade com o sindicalismo precedente e tendo como horizonte a indústria de capital
privado que florescera no pós-64. Ademais, o movimento de
opinião que, enraizado na esquerda acadêmica e no liberalismo
histórico das elites políticas e intelectuais de São Paulo, viria a
produzir uma interpretação negativa da história do Brasil – e, por
extensão, do papel que nela desempenharam os comunistas – foi
fator importante na reorientação da cultura de esquerda no país.
Assim, a ideia da constituição de uma vontade popular autônoma, de uma nova intelligentsia, de um novo sistema de valores,
de uma cultura da “sociedade civil” contra a velha cultura estatista
brasileira – os temas, enfim, que compuseram o quadro de referência do Partido dos Trabalhadores em seu nascimento, diminuíram o
espaço de intervenção dos comunistas reunidos em torno da revista
Presença, voltados à reinterpretação da tradição brasileira, de modo
a torná-la lastro de uma política hegemônica em prol da democracia
e do socialismo no Brasil. Em outras palavras, a nova cultura de
esquerda, sob a liderança do PT, preconizava um país radicalmente
diferente, quando a perspectiva de Presença era a da refundação
democrática da história brasileira, a partir do seu momento mais
plural e agudo, como foi o da derrota do regime militar.
Tudo pesado, porém, é possível dizer que as ideias que
animaram o “comunismo democrático” passaram a integrar o
acervo de possibilidades analíticas e normativas referentes à
modernização do país, estando presentes nos mais importantes
veios da esquerda brasileira, inclusive no PT. Para que houvesse
tal fertilização, foi importante a constituição de um campo democrático que se construiu nas ruas, nos movimentos sociais de
massa, na organização da classe trabalhadora, mas também na
vida parlamentar, na cultura que animou a resistência da sociedade civil à ditadura, nos levou à elaboração da Constituição de
1988 e reaparece, ainda hoje, nas bandeiras por inclusão de todos
Breve história do ‘comunismo democrático’ no Brasil
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