100 anos da Revolução Russa PD_ESPECIAL | Page 169

comunismo uma competição que criou uma interação entre capi- talismo e comunismo. Da mesma forma, é indiscutível que, depois da experiência da Grande Depressão, o capitalismo se reformou inclusive sob influência direta do comunismo. Por outro lado, se considerarmos a segunda metade do século 20 e, consequente- mente, a fase da mais poderosa e abrangente reforma do capita- lismo, veremos que as forças que construíram os sistemas de welfare state eram precisamente aquelas socialdemocracias que o comunismo havia combatido com grande violência. E aqui emerge todo o limite do comunismo, a média e longa distância. AP – A Revolução de Outubro viu irromper, na cena da histó- ria, massas que antes eram mantidas à margem. A partir disso, podemos ainda extrair algumas sugestões para o nosso presente, marcado por uma discussão sobre o papel dos “sujeitos invisíveis” na afirmação dos populismos? SP – O comunismo do século passado respondeu à urgência de uma política de massas, realizando uma socialização autori- tária sob as promessas de progresso social e de emancipação. Hoje, em relação ao século 20, a diferença principal é que a dimensão do individualismo prevalece e tira o espaço das repre- sentações coercivas da emancipação coletiva. Nesta nova dimen- são da política de massas, em que o único elemento de integra- ção é a sociedade de consumo, não vemos respostas igualmente eficazes quanto à capacidade de integrar, pela força, massas anônimas e excluídas. Não conseguem fazê-lo nem mesmo na Rússia, de Putin, ou na China, de Xi, concentradas antes na sua modernização do que na socialização. AP – Vamos tentar, em conclusão, um exercício de história alter- nativa. Sem o golpe de mão bolchevique de 7 de novembro de 1917, a Rússia poderia ter tido outra evolução econômica e política? SP – Responderia citando Max Weber que, em abril de 1917 (e, portanto, muito antes de outubro), escreveu que a Rússia pare- cia orientar-se para alguma forma de autoritarismo tradicional ou socialista. Retrospectivamente, é difícil imaginar um cami- nho diverso para a Rússia de 1917-1918, porque por certo havia em seu interior áreas muito avançadas do ponto de vista indus- trial ou cultural, mas a permanência radical de duas sociedades contrapostas pressionava por si só para uma conflagração de resultados autoritários. Por outro lado, a história alternativa poderia ser aplicada também ao período 1989-1991: se o sistema soviético não tivesse desmoronado e se tivessem prevalecido Legados do comunismo? Nacionalismo e Estado autoritário 167