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Sociedade

Pontivírgula

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Sophia, a robô humanoide criada pela Hanson Robotics, vai deixar de ser apenas uma convidada em conferências ou ter lugar na primeira fila do desfile de Alexander Wang. O seu criador, David Hanson, defende que “o mundo da Covid-19 vai precisar de mais e mais automação para manter as pessoas seguras”, como disse em entrevista à Reuters, tendo por isso o objetivo de produzir a Sophia em massa, assim como três outros modelos de robôs, para ajudar a combater a pandemia e as suas consequências em diversas vertentes. Um dos modelos pensados pela Hanson Robotics, a Grace, foi desenvolvido especialmente para auxiliar o setor da saúde e até ao final deste ano a empresa espera vender centenas de robôs, mas não clarifica um número concreto.

O ponto mais preocupante nesta situação parece ser o facto de Hanson acreditar que os robôs podem funcionar como excelentes companhias e são capazes de substituir o contacto com outros seres humanos em tempo de pandemia. Com o argumento de que o isolamento social que atingiu todo o globo obrigou vários indivíduos a viverem sozinhos durante meses, David vê a inteligência artificial como uma solução. Eu não consigo deixar de pensar que habituar pessoas a lidar apenas com inteligência artificial é como fazê-las esquecer o mundo real. É verdade que rapidamente os indivíduos isolados se habituariam a ter um robô como companhia, mas isso também significa que quando voltassem a sair à rua provavelmente não saberiam lidar com o contacto humano. O facto de um artigo da revista Elle oferecer uma citação de Sophia como suporte ao argumento de Hanson não me deixa mais descansada _ “A própria Sophia concorda: «os robôs sociais como eu podem cuidar dos doentes ou idosos». «Posso ajudar a comunicar, fazer terapia e estimular socialmente [esses grupos], mesmo em situações difíceis»”.

Não quero com isto dizer que a inteligência artificial devia ser abolida. O fundador também defende que estes robôs podem vir a ter um papel relevante noutros setores, como as várias indústrias, companhias aéreas ou vendas de produtos, diminuindo a quantidade de funcionários necessários e, consequentemente, o número de contágios. É claro que isto poderá trazer outros problemas a nível económico, uma vez que podemos estar a roubar empregos às pessoas, mas se for realmente necessário manter toda a gente dentro de casa, então esta pode ser uma boa solução para manter alguns setores em funcionamento.

Nem tudo é mau, mas qualquer perspetiva demasiado positiva será também certamente utópica. As relações humanas são demasiado complexas para serem imitadas por inteligência artificial, por muito evoluída que esta seja, e por isso acredito que esta produção em massa não deve ser aceite sem serem devidamente pesadas as suas consequências. Não será por vezes preferível uma chamada via Zoom? Não estaremos a ir longe demais e demasiado depressa?

Replicar companhia em tempos de pandemia

Por Marta Mendes

O criador de Sophia acredita que o futuro passa por “mais automação para manter as pessoas seguras”.