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Opinião

Pontivírgula

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A pandemia que atravessamos levou mais um dos nossos notáveis. O homem que resistiu a mais de uma década na mais violenta frente da guerra do ultramar teve a sua vida colhida pelo cenário de guerra que vivemos neste século. 

Falar de Marcelino da Mata é falar de alguém que - tendo nascido na Guiné - lutou voluntária e apaixonadamente lado dos portugueses na terra onde nasceu. Do militar mais condecorado de sempre do exército português, de um herói do Estado Novo e a um homem que sofreu brutal tortura às mãos do MRPP num Portugal que se dizia já democrático.

Falar de Marcelino da Mata é falar de alguém que - tendo nascido na Guiné - lutou voluntária e apaixonadamente lado dos portugueses na terra onde nasceu

Esteve exilado em Espanha depois deste último incidente e de lhe ter sido proibido o regresso na sua Guiné natal. Regressou a Portugal depois do 25 de novembro, tendo contribuído para a construção da democracia em Portugal e para o restabelecimento da ordem nas forças armadas.

Não escondo o meu respeito e gratidão a Marcelino da Mata, pela sua portugalidade e lealdade ao país ao lado de quem lutou, que o adotou e que mais tarde o esqueceu, pela coragem demonstrada nas várias missões de resgate que salvaram um número considerável de vidas portuguesas, pelo seu serviço à democratização e estabilização militar no Portugal pós-revolução.

(...) estamos perante uma figura controversa

Não escondo igualmente que estamos perante uma figura controversa: herói de uma guerra que ainda hoje divide a opinião pública e cujas marcas se fazem sentir em todas as sociedades que nela estiveram envolvidas. Compreende-se como a exaltação da vida de Marcelino – longe de ser a de um santo ou um pacifista – pode chocar determinadas sensibilidades. 

Rejeito, no entanto, que se conte a sua história numa perspetiva maniqueísta, determinada a catalogá-lo como um santo ou como um criminoso. A decidir, neste momento, se deve ser exaltado ou esquecido. Não consinto que se reduza a uma só narrativa a vida de um homem que primou pelas contradições. Choca-me que se proponha o esquecimento de um homem que muito fez por este país simplesmente porque a sua vida não condiz com a versão da nossa história que queremos contar. 

Debater o papel de Marcelino da Mata na nossa história é aceitável e até desejável no contexto de uma sociedade democrática, que é fortalecida pelo debate honesto e maduro entre pontos de vista contrastantes. O que não é aceitável é que se negue às gerações futuras a possibilidade de ter esta esta discussão. Promovendo o esquecimento deste homem e da sua história estamos a roubar a este país a capacidade de se imaginar complexamente.

Marcelino da Mata e a história como a queremos contar

Por Joana Damas